quarta-feira, novembro 25, 2009

O escuro que barra a luz que queima

A maior pedra que poderia aparecer em seu caminho, que serve de ponto de parada, é agora uma bola quente e dura, onde clareza e compreensão se conquistam com dor de ferro e fogo. O saber torna-se disponível somente aqueles que sentem-se plenos na maturidade das decisões. E seu corpo, não se importando com feridas, vai e queima-se, transpondo o que  as palavras não conseguem nem sequer explanar. Mas as tentativas são as filhas da falha e do acerto, por isso a tensão, por isso a pressão sentida:


-O espírito ancião é o que guia meu corpo nesse lugar escuro, quente, com estalidos dos meus próprios ossos e com a dor, aguda, de meus fracos músculos, pra me dizer que há a esperança de transpor os níveis rasos. De baixa consciência. Não há como medir em níveis aquilo que meu coração sente. Meço em batidas. As de desespero são muito mais eficazes que as de felicidade. Abrem os olhos diante do horror real. Fecham as mãos, preparando-nos para a batalha. E a reclusão de todos os sentidos me esconde atrás desse biombo de vidro, onde mesmo não aparecendo, os outros me vêem. Como algo que não sou. Como algo que não sabem de mim. Como uma impressão que, sem ver, deixei transparecer.


A visão do real impulsiona suas mãos aos olhos, sua boca aos braços, formando a prece. A prece sufocada, que não fala, mas que lateja o crânio, que machuca as pálpebras, que não conseguem ficar fechadas. A luz pede para que se abram. Mas o escuro é caminho incerto, e a incerteza o guia dentro das impossibilidades que configuram-se quase reais. É quase real ser amigo de quem nunca será visto, é quase certo estar próximo de uma porta que nunca vai ser aberta. É meio óbvio que o erro de abertura esteja ali, escancarado, mas nunca verá, nunca verá.


Porque mesmo com a dor, aguda, agora em todo seu corpo, seus sentidos intocáveis mostram-se resignados a negar a dor. A negar a desesperança. 


E seu amor, cresce. Explode nas nuves que ficam acima de sua cabeça. Transcendem a si, que está prestes, a depois de ter rezado e ter se sufocado, pegar tudo que lhe é devido e que lhe pertence, por direito. Desconhece de seus artíficios. Seu corpo cai, sempre antes da queda. Quando sente a dor do impacto, já está lá há muito tempo. 
É como se estivesse sentindo em câmera lenta. 

sexta-feira, novembro 20, 2009

A visão que sobressai dos lençóis

O que os olhos podem ver ainda é muito maior do que a boca é capaz de explicar, e a visão das coisas efêmeras é o que assola os corações insubordinados. A estrutura que se concretiza para a criação dessa atmosfera cheia de gostos e desgastes, leva a inconsciência a um patamar elevado. Ao patamar ínfimo do que se perde no meio do caminho. E a isso, Josué dá o nome de liberdade. A liberdade da desenvoltura de seu corpo, não é a mesma quando acorda e muda sempre que vai dormir. São anestesias análogas, mas com intenções diferentes.
O corpo, murcho, cai leve ao chão, como se fosse pena, quando o único desejo é fechar os olhos. 
Levanta-se mole quando o dia novo vai começar, para que ele caia de novo. Todo os começos sempre acabam sendo grandes e indomáveis encontros com a ruína; e mesmo quando dormi sorrindo, sente-se... 






















no chão.

sexta-feira, novembro 13, 2009

Saindo para um hiato

Conduzido por algum tipo de pena, dessa que não se sabe de onde vem, nem pra onde vai, o cachorro se guia pela rua. Guia-se pra dentro de uma metáfora que vai perdendo rumo.
Sua língua saliva enlouquecidamente por essa água que vive bebendo e que nunca mata a sede. Abana o rabo pra dizer que não liga e que de certa forma é independente, enquanto urra em seus próprios ouvidos. A fome tornou sua barriga uma cova de vermes. Ao menos sabe que dentro de si tem um mundo inteiro, só desconhece os motivos que levam a selvageria gloriosa pra um degrau de selvageria incontrolável. Se descobre tão selvagem que se desbrava em si. Esse cão tem milagres dentro de si e tem uma narrativa completa a seu redor. E enquanto apalpa com almofadas pequeninas seu rosto, conhece as feições, mas no fundo não distingue os traços.
Se falasse humanamente, se diria o rei dos oprimidos.
Mas se oprime por nada, se oprime por ter todos os ossos ao seu redor, se oprime por ser amigo do cão sitiado e o graceja assim que bem lhe apetece.
Ao cão é inegável a qualidade de arredio. De rebelde sem fronteira, sempre rumando ao norte. Busca norte e nunca teve seu próprio. O norte pode variar de acordo com os termos.

Quando ladra, pretende morder, mas como não tem todos os dentes formados, protela. É ainda um filhote, na verdade. Uma criança buscando, sozinha, um ninho independente no meio de uma multidão. Uma revolução para poder se aproximar da matilha. Ser lobo é muito mais importante do que ser raposa. Ter a beleza dentro da esperteza e fazer dela ícone de escapatória é lampejo brilhoso nesses olhos escuros encobertos por pelos lisos. De tão lisos, que esquece da fronte e seus olhos entram mais e mais.

Os olhos são a entrada da cova dos vermes. Os vermes são o convite. O chamado. São brinquedos maravilhosos assim como combustível prazeroso, mas são mesmo assim vermes. O cão não discute se são bons ou ruins, apenas sabe que o são. O são. E dele. A sua mordida delimita a corrosão e o prazer. Seu movimento é o limiar entre a inércia e a ação.

Para esse cão, o uivo independente não se completa sozinho. Seu choro tem que ser um espetáculo, porque afinal de contas, ele é o rei dos oprimidos.

Espiral

Estava pensando sobre a verdade de algumas coisas e sobre a mentira de outras tantas.
Chego a superficial conclusão de que o peso de atos pode refletir na carreira de um sonho.
Que o percurso torna-se fardo em determinado ponto.
Que a noite é densa e palpável e que o dia é tormento iluminado.
Não prentende-se mais a retórica lírica porque os dias perdem a noção de um sentido.
Não guia-se mais pelo padrão de se guiar. Guia-se pelo prazer de não olhar.
E quando olha-se, o prazer continua ali.
Parado e investigando o próximo orgasmo.
Mas não é o prazer que move.
É não ver.
E não ver é como estar correndo numa velocidade absurda.
Parar e olhar pra trás é arrependimento certo.
As cores cafonas da estação passada se renovam. A moda, pra todos, morrerá sendo uma espiral.
E para os cegos que continuam a se movimentar, fica a sensação de fluxo e renovação.
Todo momento de visão é um retrocesso.
Uma lembrança nostálgica daquilo que foi um dia o atual.

O mofo azul do ninho

As decisões mofam numa gaveta vazia, ao lado de um bloco de palavras velhas, com um bando de folhas secas e um pouco de água derramada no rosto. Água salgada, que vem de dentro, e saí suave, como se fosse um carinho triste:


-Preciso sair daqui agora, tanto que o nome do que toca naquele rádio que não é rádio, é sobre sair de lá. Mas de lá prefiro aproximação. Proximação. Não existe. Então as músicas mudam, e o sentido que as ofereço, troca de novo. Troca sempre que ofereço algo. Na verdade, tudo que ofereço é um algo que de nada serve. Não há como se esbaldar com o que tenho: nada. Esses pontos que remetem a "está para" não estão para me fazer bem nenhum. Nenhum arrependimento condiz com a noção de tempo real. O tempo real é o enredo de um filme que nunca acaba. O enredo desse filme, os outros lá chamam de vida. A ilusão faz parte. Faz parte da vida a ilusão. E a colcha de retalhos se forma abundantemente. Não falo do Brasil. Não falo da pluralidade. Esse pensamento no plural foi o que destruiu as coisas e me fez parecer egoísta. Egoísta por acreditar talvez no que nunca cri até então. Cri. Barulho de grilo. Grilo é um bicho esperto. Fica sozinho, invisível, sabe provocar medo, pode pular pra longe quando precisa. Até a hora que é pisado por alguém. Dentro de uma casa, há quem tire sua coragem de pular. E daí ele morre. Entrar na casa de outro é suicídio ou escolha? Isso é chato.