A imagem que se reflete no espelho, talvez não seja minha. A desfiguração da minha visão me deixar ver só o que eu supostamente não quero. O que eu quero, não sei.
O reflexo ali, diante de mim mesmo, possivelmente seja eu. As analogias previstas diante do espelho não estão levando meu ego a nenhuma elevação narcisista. Meu ego por vontade própria é Narciso. Narciso por amor - próprio? Não. Narciso por cultura? Jamais. Narciso por quê? Porque sim, oras.
Mas a visão então ofuscada não é por culpa desse complexo já antigo e desgastado. É por culpa do objeto que se reflete no espelho. Eu.
A forma do corpo no espelho, não é a minha. A materialização da alma se fez instantânea no instante que senti a força do pensamento eclodir e exteriorizar-se sem medo algum. A alma se esboça pelo corpo em frente ao espelho. E já não se conhece mais o corpo, que muda constantemente.
Reconheço só a alma. Que sozinha tem sua única importância e função, que é comer e manter vivo o corpo para que não apodreça.
Depois de muitos erros de figuração, a alma dá um passo.
E o esboço no espelho deixa de existir. Avante, alma. Avante, corpo, que só não vive. Avante luz, que ilumina o caminho dos desalmados. Avante, escuridão, que escurece o brilho do alto ego. Abaixo, fome que estraçalha a alma. Abaixo, corpo que se auto-flagela em pensar.
Narciso, serás meu companheiro, enquanto na vida se fazer o vidro e o cristal. Será meu companheiro "esboçal" e tens em mim um corpo tranquilo e uma alma confusa. Espelho, tem em ti um ente mitológico, uma criatura que até hoje se afunda na própria vaidade. Tens um amigo que transmite a alma e que desconfigura a carne.