quarta-feira, agosto 29, 2007

Entrega visual

- Quem disse meu nome? - tira o cigarro amassado do bolso da calça jogada na cadeira.
- Não sei, acho que estás a ouvir coisas! - puxando os cabelos para cima do peito.
- Não poderia. Essa onda foi forte demais. - colocando os braços ao alto- Veja, ela levaria meus braços aonde quer que fosse. Tão nítida...
- Mas estamos sozinhos aqui, não há que te chame a não ser eu. E não o fiz.
Senta-se na cama, olha as cortinas, cheira as mãos, esfregas os olhos e os abre muito bem, como se quisesse explodi-los:
- Não me droguei hoje, meu bem. Os efeitos não existem. Se estamos a sós aqui por que estás tão menor? Onde mora a plena confiança que estabeleceram os nossos corpos?
- Não quero dizer nada sobre isso. - puxa a coberta macia de pêlos vermelhos e cobre a boca- É estranho te ver assim, tão reluzente, sem vestes e sem maldade. Olhe nos meus olhos. Isso é o que nos basta.
- Entendo perfeitamente. Não receio teu corpo de forma passageira. - cobre as pernas e a luz que vem da janela torna o abdômem rosado- Se o for, lhe almejo para sempre nos instantes em que for meu. E como se fosse a última vez - dá uma tragada no cigarro- não hesitaria em dizer que te amo. Te amo - joga o cigarro fora e os lábios se tocam de longe, pelo ar.
- Isso me envergonha. - e cobre as bochechas rosadas- Quem lhe veio a cabeça quando alguém te chamou?
- Sabes que não sei. - coça a cabeça em sinal de confusão.
- Talvez a idade esteja chegando e ainda nem destes conta disso. - joga-lhe um sorriso de deboche.
- Sou muito jovem pra ensurdecer. Ouço até aquilo que não me convém, que não me diz respeito, que me envergonha. O primeiro sintoma da minha velhice seria a cegueira. Veja, meus olhos ardem demais. Culpa dos azuis! Primeiro ficaria cego com o propósito de não ver as ações de destruição... A imagem sempre me castiga.
Levanta-se da cama, mostra-se por completo denovo. Caminha com passos serelepes até a janela e olha para a cama. Os olhares estão fixos:
- Antes de envelhecer, preciso ter a sensação da tua imagem. Porque sei que te ouvirei até o último dia da semana.
Puxa o pano vermelho e admira as curvas, os traços, os flancos, o batom vermelho, o pálido da pele; a escultura exposta.

Levanta-se da cama e vai em direção a ele. Toca o rosto e diz:
- Agora já podes sair, meu velho!

quinta-feira, agosto 23, 2007

Banhados de luz

- Estou guardado.
- E de que adianta se manter trancado dentro de si mesmo?
- Não preciso de remédios do mundo pra ser o que sou.
- Sei bem que é pelo mundo que crias.
- Não entendes de nada a não ser de teu ego.
- Caso lhe seja conveniente, vá arranjar o que fazer... Meu tempo torna-se precioso a medida que te vejo fixado dentro de minha concha. Mais um parasita.
- Veja!, eis o que te faz ruir. O tão precioso tempo... Maldito aquele que criou esse fator cultural tão disfarçado entre nós, ocidentais, voadores e avoados. Tempo é dinheiro.
- Então vá atrás do seu...
- Por que sempre lhe é tão bom interromper as explanações que faço? Já basta que tu sempre estás a dizer que erro.
- Não importa como ou o quê faças. A interrupção tornou-se um prazer enrustido na minha carne. Meus ciclos naturais se interrompem. Não sou mais uma rainha... Meus rodeios constantes não me fazem chegar a nada. Mas neles eu acho o homem e o homem me acha. Interrompo o homem e assim, ele me faz prosseguir. Sou uma rainha.
- És a menor praga que existe no mundo.
- Estás enganado. E bem sabes disso...
- Não me explique mais nada... Permita-me viver o ciclo e tentar voltar a ser o que era.
- Impossível! Já lhe disse isso mil vezes e quanto mais falar, mais tentarás ser o que fostes na inocência...
- Continuo sendo inocente e não existem razões para que me suje.
- Não te enganes. Tua alma torna-se pura a cada passo que trilhas nessa caminhada que os crentes chamam de vida. Caminhada a sua que acabará não no abismo. Mas sim nas águas límpidas e reconfortantes de tua existência. Sei bem que elas existem em algum lago que recebe os puros todos os instante e os tira a pouca sujeira que está impregnada em seus corpos.
- Não compreendo tuas filosofias de bar. Sempre tão ilógicas e sem fundamentos. Te denominas ateu e ao mesmo tempo usas a alma como forma de justificar tuas intenções.
- Ora, temos de convir que a alma do homem são os atos. Podes chamá-la de caráter, reputação, conduta, valores, cultura, personalidade. Mas eu chamo-a alma. Pequenina e relevante. Transformadora e flamejante. Assim é vossa alma... Não te julgas capaz de absolutamente nada. Mas teus movimentos impensados tiram as pessoas que te circundam de órbita. Sabes bem disso.
- Tenho de ir.
- Pois vá e transforme um pouco de tua caminhada em estrada. Vá e retornes quando bem entenderes. As minhas portas estão abertas para tentar te entender.
- Mas sou eu que preciso me entender.
- Só me parece ser possível entender aos outros, mas nunca a si mesmo. Me entenda que eu te entenderei...

segunda-feira, agosto 20, 2007

Rotina noturna

Dispersada no ar, as palavras que ela dizia, já não eram mais as mesmas. Voltava a ver em si o que dizia não. Viajava na sua própria alma... Mergulhava nos abismos. Secos e profundos.
Poderia ela dizer que o mundo não sente mais nada senão cólera. Uma indomável cólera que aumentava cada vez mais junto do seu falso sorriso de álcool que destilava seus lábios e fazia com que jorrassem gotas de ácido que caíam em minhas vestes. Derretiam um pouco de minha alma.
Os gracejos não eram mais os mesmos. Os cabelos acabaram de mudar. Ela sumiu de onde estava. Só podia ver um corpo, um rosto. O corpo continuava o mesmo mas nos olhos eu via o abismo que afundava todo o rosto numa pequena escuridão branca. Não havia escuridão sem aquela luz que jazia fria dentro do marrom dos olhos que pareciam-se também com árvores mortas.

Era impossível ver a liberdade e querer te prender. Comecei então, a confabular com meus companheiros de mente sobre moral, convicção, personalidade, justiça, liberdade e fraternidade. Constatações que apodreciam. Frutos que caíam das árvores e não tinham nenhum proveito. Nenhuma forma de convicção ou de dúvida se criava. Só ficava um grande abismo naqueles olhos. E meus braços já não podiam salvar mais nada.

Os corpos continuavam entrelaçados. Os braços fugiam de um lugar para outro e não conseguiam parar de correr por sobre aquelas peles lisas e frescas que queimavam por dentro, sem amor. Era o resultado que tanto esperavam e que ficava subentendido naqueles atos nada singelos.
Depois de tudo completamente acabado, não se tinha o que queria, os desejos não eram mais possíveis, os artifícios e o dinheiro já tinham acabado e não eram mais alegres pra falar. Sabia-se menosprezar e discutir.
Mas o corpo continuava como água. Os olhos se tornaram um lago profundo, com lágrimas doces que ardiam dentro dos olhos; uma espécie de cura que a mantinha inerte dentro de si mesma e congelava os braços que não aguentavam mais correr para outro lugar.
Eis tudo.

quinta-feira, agosto 16, 2007

Aviso ao senhor que pensa ser sabido

Vá pro inferno escrita ruim, ao menos hoje, que eu não quero ter nenhuma pretensão de expandir meus pensamentos aos dedos e depois às mentes das pessoas. E por favor, não vá pensar que isso é uma tática pra que eu não escreva pouquinho. Pois bem sabes, Coração, que não é! E espere aí?! Quem disse que você, Coração, sabe de alguma coisa?! Só sabes porquê eu decidi dividir contigo, antes que me tirasse tudo...
Então agora vá aos tormentos!

quarta-feira, agosto 15, 2007

Amarelo, te quero bem instantaneamente

Um homem pára e me aborda. Vestido de cinza e com uma boina verde, fazia sinal com os olhos de que queria contar-me piadas. Parei e escutei o que ele tinha a me dizer. Como sempre nada, era mais um vendedor, daqueles que só sabem enrolar o cliente, pra depois ir embora reclamando que não vendeu nada. São péssimos os safados! E ainda reclamam.
Saí daquela rua vazia e fui até o ambiente que mais vivo. Geralmente quando sentia vontade de gritar, gritava. De chorar, chorava. De ser, era. Mas aqui as coisas são meio difíceis. São essas paredes brancas que neutralizam tudo. Mas o Sol, em vez de sumir e me deixar aqui no silêncio, criando preto e branco, prefere me ver através do buraquinho da janela. Fico pequenino diante disso...
Não quero me amigalhar com o Sol, não aqui. Nada contra a prepotência dele. Até gosto quando os braços dele me tocam a nuca e ficam fazendo cócegas. Agrada-me saber também, que se não fosse esse sorriso inconstante que ele concede sem querer, não estaria pronto pra surgir e talvez eu até tivesse muito mais do que 15 bilhões de anos.

Se eu desse trela aquele salafrário não haveria fugido dele, moendo minha alma de ódio e de raiva, e não haveria notado que hoje estás um pouco mais alegre que o de costume e que me fizesse abandonar os casacos por mais de duas horas.

terça-feira, agosto 14, 2007

Dia do tempo e dos detalhes

Há uns tempos, dir-se-ia que nós estávamos namorando, risonhos e contentes e que, não poderia ser outra coisa. Há uns dias, estava eu andando solitário, mas em minha companhia, até que vi teu semblante feliz atravessando a esquina e se encostando no poste, que por sinal, era menor que teu corpo. Só ele existia, os resto era miúdo, finito e muito colorido. Preferia a sua luz exagerada que sempre apagava todas as cores possíveis de existir.

Há umas horas, fiz o mesmo caminho de concreto como em todas as manhãs. Foi o sol, aquele gosto amargo de vida logo pela manhã, que me fez cogitar tua presença. Queria muito sentir o gosto amargo que é te ver e poder deixar cair da minha boca um pouco de sutileza, já que isso lhe parece ser tão mais agradável. Já tomasse conhecimento de que nossas conversas, covardes e subliminares, só acontecem de noite e de dia, quando não nos vemos?

Há uns minutos, decidi não achar que tenho algum valor e que nossas pequenas estrelas ainda caminham no céu do dia e da noite, conversando e sendo os amantes que sempre foram.

segunda-feira, agosto 13, 2007

Da cor à lembrança de que estás por perto

Hoje bebi suco de uva, pra sentir que estavas ao meu lado. Sei que tudo com essa cor fica mais belo e suave.
Sentei, atordoado e sozinho, pescando no tom levemente roxo do céu, algumas palavras que se adequassem ao que queria dizer. Mas não encontrei. Encontrei algumas palavras verdes, que ainda sentem vergonha ou então que sabem que ainda é cedo; outras amarelas, prontas pra caírem em teu colo e serem apreciadas; aquelas palavras roxas, estavam machucadas mas continuavam amáveis como eram, já que essa é a cor que te agrada e que faz tudo um pouco mais belo. Meu dia está sendo roxo, pra lembrar que um pouco de sua tez branca ainda vaga em meu rosto e teus lábios, vermelhos por natureza, ainda sopram palavras de arco-íris até os meu ouvidos.
Hoje bebi suco de uva, mas foi só pra lembrar que não consigo te esquecer.

terça-feira, agosto 07, 2007

Amor natural

Os teus olhos por tantas vezes me lembram um mar. Distante e mas tocável. Os teus lábios são grandes fendas silenciosas onde só o ar mais inquieto pode perturbar. Teus cabelos, lindos ramos jogados à mercê da natureza, sujos de terra, prontos para os cuidados do cultivo.
Se fosse possível tornar-te real, serias a flor tropical mais bela em todos os trópicos. Teria o mais belo representante do Zodíaco. Serias completamente única e minha.

Essa pele branca quase transparece tua alma. Posso te ver por ela. Teus gestos, teus dedos, tuas unhas. Uma junção perfeita para a construção de um mundo novo. Um mundo onde não existirá amor. Algo laico, perfeito.

Os oceanos oscilariam entre piscar e chorar, as matas do nada perderiam toda a sua forma e a sedimentação das rochas mudaria o nosso ambiente a cada palavra que fosse dita.

Se fosse possível escolher uma mãe natureza, que acolhe os filhos e os põe no seu colo, eis que te escolheria, já que em teus braços tudo é tão mais leve que quase flutua. Até os corações do homens voam enquanto tentas explanar um pouco sobre tua conturbada existência.

Os teus enfeites, por mais silenciosos e brutos que sejam, são músicas aos ouvidos dos leões, os fazem dormir. Teus passos são terremotos que criam a dança da vida abaixo do chão. Depois de andar, estás parada, olhando para trás, e os homens-animais desse mundo ainda conseguem te amar, por mais laico que esse mundo possa ser.

As ações que reagem quando menos se espera.

"Vale a pena divertir-se um instante com os imbecis, dá-se corda, eles se erguem no ar, enormes e leves como elefantes de borracha, puxa-se a corda e eles voltam, flutuam a baixa altura, aturdidos, estupefatos, dançam a cada sacudidela do barbante, com saltos desajeitados. Mas é preciso mudar constantemente de imbecis, senão é a náusea."
(Jean-Paul Sartre)
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Regresso. Ainda vivo de passado. Fragmentos jogados que mostram evidências de que a vida por ali passou e não há como apagar. Erros e brincadeiras. Parece até um jogo, mas um jogo sem graça, sem sentido. O único sentido não é completar, é preencher. Encher a conta!
Descobri que às vezes os imbecis são ótimos divertimentos, foi Sartre que me ensinou. É preciso se divertir com eles periodicamente porquê eles cansam e se tornam desinteressantes. Não que meu intelecto me permita o título "culto", nem o quero. Mas é que Sartre tinha um bom-senso e às vezes partilha dele comigo.
As coisas soam sempre erradas. Os cálculos sempre devem ser corrigidos. Quem falha? Eis a questão...

Tomara que minhas drogas estejam me esperando alegremente dentro de meu quarto, prontas pra cantar a noite toda a canção do descanso eterno enquanto regresso pra viver de passado.

quinta-feira, agosto 02, 2007

A lentidão da urgência

Há urgência em estar vivo, em estar limpo.
Há sentido no hoje, há motivo na dor
até que seja ela suave.
Os hábitos tão normais, com cheiro de rotina, estão sumindo com o passar dos meses. A comida vai apodrecer na geladeira se algo não acontecer. Não precisa saber o que se conhece por conhecimento. É preciso ação!
É preciso estudar pra ser alguém na vida?
Os negros voltaram pra casa depois da semana festiva e serão mais vermes nas ruas denovo. Os brancos jorram alegria, já que administram o suor dos trabalhadores de corpo e alma. Os coronéis preferem mantê-los no tronco, todos eles. Independentemente de cor. Azul de raiva, vermelho e cansado de se banhar com sangue; verde de nojo, roxo no corpo e preto na alma. Só o branco dos olhos é que pede por paz e por calmaria. Sabe bem que a raiva nunca vai passar.
Eis então, que falam os direitos humanos. E clamam por ética, moral, princípios. Esperam a sujeira por algum brilho prazeroso nos olhos.

O ciclo continua. Indo e vindo. Matando e roubando. Enquanto choramos por perdão o caos exaspera gritos de horror.

quarta-feira, agosto 01, 2007

Frustração

Descobri aquele objeto tão desumano que soava quase bruto, quase inanimado, mas senti que algo respirava dentro daquilo.
Tão depressa começou a roer os lados do próprio corpo por medo de se entregar ao seus prazeres vegetativos e completamente frios. Era um sádico que via a sua redenção banhada em sangue. Sangue esse, que só ele via com seus olhos cor de mel.
Ficou subentendido que estava deitado no chão chorando, mas estava realmente esperando salvação...


Precisa parar com isto, e logo, antes que a fama de bom o torne mau e arrogante outra vez. Tornando-o mais impotente do que já era e mais inconsciente do que é. O medo que escorre pelos cabelos raspados dele todas as noites, molha a cama e o deixa gelado, mórbido. Desfaz todo o calor humano que havia naquele corpo e o enche de uma amarga ternura com vista para um abismo fundo.
Cheira o odor suave que suas pernas exalam, mas nem sabe que suas pernas apodreceram depois de andar pelos caminhos rotineiros que traçou. E o ego tanto arde sem saber.
Precisa parar de ser o que não é e ferver de loucura antes de falar ao coração aquilo que sua alma repudia.