Como deveria começar a viver, se o silêncio da madrugada não o impulsionava ao mundo, mas sim, o trancafiava cada vez mais em seu quarto? Que questionamento vago diante da saudade.
- Não estou aqui; hoje sozinho, diante desta pequena luz, para celebrar em mim os dias de glória. Os dias próximos do fim. Não queira entender nada do que disse, já que sabes que o que digo jamais é o que interessa. Sou apenas um bobo enclausurado; atirado ao fardo... De encontrar em mim o coração.
- O coração que parece fugir toda vez que se aproxima e que não deixa espaço para outro desejo: o coração é o objetivo de minha vida. E posso estar há horas andando, pois meus pés ainda não cansaram. Não me canso de correr atrás, e esconder-me, do que quero. É o suor do perigo que me põe a arriscar e é a ele que dôo a culpa da falta de meu fôlego.
- Na distância não ouço o palpitar de teu coração, assim como ouço, quase nada, o meu. Acordei hoje e não tenho vontade de dormir. Dormir para mim seria como morrer e hoje estou vivendo demais parar morrer em um mundo em que ninguém dorme.
- Parece que ainda não me banhei; ainda sinto o suor pastoso e o cheiro forte de minha pele; que não me reconheço em mim. Costumava ser mais Narciso, parecia que tinha muito que esconder.
- No canto do conto e canto. O ritmo de minha fala quer compor melodia.
- Tenho dois pequenos tesouros, que dormem, atrás da parede ao lado; um velho que dorme. E abaixo talvez habite o motivo do meu ser. Não seria eu se não me pegassem na hora da divisão. Comecei num divisor de águas e deixo tudo explícito; como meus pêlos arrepiados num banho de água gelada.
- Qual a minha pergunta? Ante o quê fico de sobreaviso à máscara? Falso falso falso falso falso. É o que sou. Tudo até hoje pode ter sido pura mentira, a mentira mais bem interpretada do homem. O que faço, só homem, em seu traje noturno, é capaz de fazer. Deixo minha esperança registrada no som seco, quase surdo, de um tapa. Meu tapa, minha verdade; sem flagelo, preciso de Realidade.
- Realidade esta que me mata. Cada segundo é consumidor de meu vazio, de mim e da primeira pessoa. Odeio-a. Quero acabar com ela. A intenção é suicídio, fim do ego. Tudo, com a força simples das palavras. Com o movimento de minha boca: quero destruir o ego. É a partir daí que começo.
- Destruindo, despindo e raspando; um mundo novo começa. Desesperançoso em relação ao Um, mas ansioso com o conjunto. Estou aqui sem utopias, sem comunistas e que morramos anarquistas. Venho começar, diante do mundo, a negação de meu corpo. Renego-me. Depois me construo longe de bandeiras e, quem sabe, perto do espírito. Mas nunca longe da instituição.
- Amor, fraternidade, espírito, ódio, individualidade, vazio. Instituições que giram em torno de outras e estou no meio (do escuro estão meus olhos e vejo: nada). O nada é a instituição do absurdo. A profundeza do humano: absurdo. À clareza do absurdo: nada. A mudança deste mundo?: absurdo. Eu esperando quê?: nada. Perdi na igreja a fé no Absoluto, beijei no vento o aroma do novo; senti vários perfumes e não me iludi com o aroma do Paraíso. Beirando convulsão, aceitaria provocar os teus títulos.
- Primeira e segunda pessoa: duelo sem fim. O paradoxo é interminável; quando falo de ti, entro em mim e esqueço que nós estamos preenchendo Eles. Meus braços tremem como todos os fundamentos que rompem-se com as novas certezas. As novas certezas da indiferença. E que não seja só humana! Dentro de cada homem habita algo mais, uma outra instituição.
- No meio de tantas cores, não escolho nenhuma; sou como tu, e preferimos não ver. Veja que nossos olhos se fecham. Impossível ver de olhos fechados? Pois que sintas para onde caminhamos: para um fim sem previsão, que talvez não seja fim. Estou desvencilhando-me de mim e deixarei a culpa ao lado de tua cama a culpa de minha existência. É esse o fim de mim. Matei meu ego.
Foi a palavra mais difícil de se escrever. A ele é a mais intrínseca. O verbete que nunca diz.