quarta-feira, setembro 12, 2007

Mecanismo Natural do Medo

Deu-se por perdido no instante em que vagou para a outra condução, sentindo-se empurrado por bolhas fortes, que sem querer, o faziam flutuar enquanto andava na agitação frenética que é uma despedida.
Todos os cristais que amava todos os dias, não poderia mais amar. Nunca mais. Tornaram-se vírus novamente, uma nova doença a ser condenada. Um fóssil prestes a ser queimado, prestes a se tornar combustível de ódio num mecanismo de medo.
Com os movimentos que fazia, os ruídos saíam milimetricamente de sua boca:
- Como seria difícil olhar para teus braços agora e vê-los jogando-se a outros mares, à outras praças. O meu nome já não é o mais belo da paróquia e os doces que estocamos vencem de inseguros. Estou a jorrar a última gota d'água que caiu de minha fronte, e sinto que o suor sob teus olhos não são lágrimas de uma emoção saudosa, mas sim um pequeno pedaço querendo um pouco mais de si própria. Minha cara flor, tuas pétalas ainda me iluminam e teu verde é um lago onde transparece a essência de teu ser puro e consumível. A natureza.

"Se todos os instantes em que folhas caíssem ao lado de meus olhos, e se todos os papéis caíssem em meus lábios novamente, choraria as dores que encheriam um rio novo de esperança."

terça-feira, setembro 11, 2007

Felino-cobra

"Aos meios de alma que me deixei transparecer, viram que as flores que carregava em meus pés não exalavam mais a mesma fragrância e fitaram com angústia a ausência de minha voz, deram a importância desnecessária à uma árvore que poderia cair sem frutos."

Mais um segundo brilhando nos olhos que viam atentamente o desenrolar de um tapete vermelho-sangue que tinha o tamanho de uma língua, que era capaz de ludibriar as veias daquele pobre felino e jogá-lo num fluxo que não pertencia. O desenrolar palpável deste pano era um modo de refrescar o coração que fervia no peito do felino que não ousava mais declarar seu amor com exatidão. A convicção de sentimentos o feria enquanto a água corria nas sarjetas do lado seu quarto aveludado.
Os ouvidos já não tinham mais a egoísta pretensão de tentar ouvir os grunhidos que o amor fazia ao seu lado, era muito mais fácil esperar até que eles viessem num bilhete, se rastejando aos pés da morbidez florida que as patas peludas conseguiam esconder.
Os elementos o jogavam numa atmosfera existencialmente humana:
- Fala que teu comportamento é o mesmo que antes?!, Fala?! -as pernas cruzadas denunciavam a impotência que cuspia sem vergonha sua ignorância- Não escondas de mim tuas entregas e nem fujas do que és... Eu, eu sou uma mosca-de-gato. Eu não existo. Enquanto tu estás existindo fluentemente e fazendo com que lhe odeie mais ainda. Mas meu amor, sabes o que pra mim é o ódio? Conheces essa bala muito doce que degusto todas as noites em minha cama enquanto julgo os Paranhos tão bem conservados no teto olhando para mim com desdém.
Não pretendo monologar com sombras! Tentarei continuar olhando as casas bege com o mesmo sorriso e estarei me vendo sorridente no reflexo das vestes pretas que carregas contigo todas as manhãs.

Não deixava nunca de negar a negatividade que plantava sem escrúpulos em sua pequena língua sem ponta.


Um pequeno diamante nascia nos olhos, que depois de muito tempo esperando, viam a beleza fluir nas letras que estavam no céu, atrás de sua janela, ao lado de seu rosto deitado. Mas ainda assim, superior.

segunda-feira, setembro 10, 2007

Indestrutível forma de recepcionar sensações

Fitava os grãos de areia no chão com ângulo tão curvado que mostrava toda sua sensação de não ter feito nada de especial. Seu ânimo era acessível (coisa difícil de ver-se em dias tempestuosos), porém a angústia derramava sangue nos seus olhos. Tudo que fitava tornava-se um pouco mais reto, horrível e indecifrável.

A grande afronta que fazia a si próprio era maior agora. E desconhecida, sua boca rogava pragas de ódio ao ventos que voavam nas linhas sonoras que caíam como estacas cravadas no chão duro de diamantes que cravejavam a área de um corpo pequeno. O teor de agonia e aperto era gigante, e o peso todo caía por terra quando extraía seu tormento.



- Por mais demorado que fosse esperar por estar aqui. Estou e arrependo-me de te jogado apenas tábuas insustentadas para que todos pisassem e andassem um pouco, sorrindo e brincando de nada. Por mais que as folhas insistam em me tornar maleável e em paz, mais as mudanças de rotina e de segmentos me torturam. Constatei que há muito tempo não batias a minha porta. Dependias de um empurrão de amor, um pequeno toque aveludado de belas mãos para que eu contemplasse os olhos distantes que sempre mostras em resposta de teus arredores sensitivos. A ordem já não é mais a mesma...

Os ruídos o interrompem e um pouco de náusea estoura em sua barriga inchada de tanto engolir carícias e gentilezas, mas parece que a náusea virará vomito logo depois que virar os olhos para o escuro e notar um pequeno brilho, se é que ele existe.
Virou-se, notou o pequeno brilho existente no escuro que insistia em não ver. Usou de metáforas e desculpas para não ficar solitário. A solidão é algo que atormenta as almas angustiantemente felizes e seu único remédio é a solidão conjunta. Pares de olhos parados esperando uma reação nova, uma mostra de dentes amarelados com olhos de icterícia e um pouco de cabelos caindo ao chão com o objetivo de mostrar que estava tudo tão correto.

- Preciso mesmo continuar exercendo minhas funções ordinárias e conceber prazeres que voltam a mim com grave tortura?- ajunta o fio de cabelo do chão- Refazer os estágios de minha mudança para constatar assim novas formas lógicas de constatações que jorram em dor; negociar os lucros de meus lamentos comigo mesmo e sentir melancólico prazer adocicado ao fitar a sensibilidade da flor mais bela, que pende nas costas da montanha mais ingríme que nenhum homem pôde alcançar?... Lamentavelmente não.

quinta-feira, setembro 06, 2007

Transição corpórea

Tão mais cansado, debilitado e fragilizado, sua alma parecia um cristal. Todos viam com medo intenso de tocar. Estava tão quebrado, quase doente. Não seria ele mais fonte alguma de inspiração. Apenas o mundo, essa grande bola de lama dura que ousamos chamar de lar. Lar.
A boca seca fazia de seus gostos os mais horríveis que já sentira e as pedras que colocava em seu caminho eram por pura correção, queria saber andar. Tropeçava insistentemente nos próprios acertos, corroía com lamúrias as virtudes e depredava com fúria a sua inocência:
- O que há de mais sensato numa cobra, senão as suas escamas?, que definem e que caracterizam seu veneno, sua mortalidade! Está no sangue! Hoje sou vermelho porquê explodi. Ainda uma pequena cobra chorosa saindo do ovo e mordendo o próprio rabo! Quisera eu emancipar meus sentidos e abandonar essa angústia que é ser um filhote, rastejando-me para tudo: comer, andar, ser, viver. Um submisso, um grande corrompido pelo amor de mãe. Que vontade estonteante que tenho de me morder, promover meu sangue, aliviar minha raiva e cuspir como remédio a minha pequena gota letal de dor!

Os olhos sempre virando, pararam diante de um pequeno espelho de borda dourada, que não significava nada mais que uma plenitude soberana falha sobre si mesmo, pensando na imensa podridão que acabara de semear em seu próprio interior e com risada demoníaca que saía de um pobre anjo cético:
- Corpo, doce chave que prende minha liberdade, limita meu espaço, destroça minha área, degrine meu ser; o que há em você, corpo? Se dizes meu e estás aí, a envelhecer enquanto sou uma víbora ainda jovem, trocando de pele e de vida. És um baú, pequeno e que serve apenas para guardar um carcaça que jaz putrefata no meu eu. Não me serves pra nada, agora sou um réptil com pele mais forte. Corpo, nada mais és do que um prelúdio da minha morte, um aviso, e um refúgio pra minha chegada.

terça-feira, setembro 04, 2007

Zelando o comodismo

Joga no chão o olho e cai em cima de um papel gasto pelo tempo e pela chuva. Ajunta-o, surpreende-se e voa com os olhos sobre o papel marrom. Senta-se no chão e lê em voz alta, confiante de que não serão asneiras:

-" 'Benditas sejam as cobras que zelam meu pescoço e que me servem de cabelo enquanto caio com demasiada raiva por sobre os ombros do meu pequeno príncipe guardião! Quisera eu andar sob as águas e nadar nos céus. Se meus braços ainda tão cansados batessem contra o rosto de um mundo inteiro, não seria mais uma fonte de sangue. Restaria em minha carne apenas um monte de farpas, dentes e gravetos.'

Ao término do seu próprio bilhete, a única sensação era de erro. Tudo o que faria a partir daí seria falho e sem vida. Os cachorros, sentados, aplaudiam cautelosamente cada palavra e enfraqueciam suas pequenas mãos querendo parar. A febre agora pulsava dentro daquele alegre coração:
- Pois bem, meus companheiros e amigos, se aqui não estivesse hoje, jamais saberia da alegria que é compartilhar com alguém e com o Maior os meus anseios e as minhas poucas angústias.

Os cães uivavam agora sem parar diante das imagens fixadas na parede. A luz tornava aquele ambiente ainda maior e mais amplo, porém arrancava a fé que qualquer homem pudesse ter, assim como faz a verdade. Todos os olhos voltados para uma escada, as línguas balançando e pendendo da boca, alertavam a entrada de um Supremo.
Vestimentas amarelas e floridas faziam daquele enorme bolo uma pequena árvore:
- O que ouvimos aqui agora nada mais é que um sussurro da morte aclamando por um pouco de vida, meus amigos. As idéias dispersas sem amor não podem dar ao homem nenhuma racionalidade!
O orador da carta toma-se possesso:
- Enquanto tua racionalidade, ó irmão, se faz com amor e solidariedade! As casas estão escondidas em teus braços, sentindo-se acolhidas pela farça que chamas verdade, e tua colcha é costurada com ouro, teu travesseiro de diamantes e a tua língua é suja com lama. A tua cura é o Tormento!
- ... Vejam, Todos!, o que há diante de nós! Um grande enganador, manipulador, enriquecedor da vaidade humana blasfemando contras as verdades do Supremo! Venha até aqui e continue a oração de tuas lamúrias, criatura desprezável.

Levanta-se da cadeira vermelha e desliza suavemente através do tapete dourado, dominado por selvageria e brutalidade nos olhos:
- Não há mais o que ler, somente o que se observar. A lógica plena dos meus sentidos não se aguça só na argumentação. Há viva em alguns de meus instintos. Em escolhas emocionais dir-se-ia que uso de malícia, mas nelas apenas esqueço de racionalizar. Vivo como vocês, irracional e frágil, pensando na plenitude de pensamento que se afugentou em minhas costas... Bem, não perderei minha raiva dentro de uma casa de bárbaries."

A mente um pouco interditada. Uma nova fé abalada e contradições inúteis em vista do que já houvera pensado agora o transformam em uma velha carcaça sem mudança e sem esperança de tentar falar consigo próprio.

segunda-feira, setembro 03, 2007

Um sopro amargo

A luz entrava no quarto como uma arma, sujando o corpo esticado sobre a cama. Tão exausto, pairava sobre os braços um semblante de derrota. Os pêlos estavam eriçados. A boca lacrimejava doces balbucias de desespero. A garganta se cortava:
-Não poderia ser mais fraco do que hoje! Os dias tão sublimes fogem do meu alcance e as condições da minha rotina estão me puxando ao além dos sonhos e das fábulas.- cai um pouco de veneno nos cotovelos - E essa história que estar vivo me cansa. O decorrer das palavras fará minha existência! Ah!
Cai no chão como uma pedra e agora a luz corta o azul dos olhos cobertos por fios prateados. Passos podem ser ouvidos vindos do lado de fora, as pedrinhas denunciam um novo criminoso. Batem na porta e a cólera domina a boca:
- Quem é o demônio que aqui vem para me importunar com desgraças?!
E a voz mais doce dos ventos responde:
- Sou eu, meu réptil, o sopro gelado do vento querendo entrar e te petrificar! - alguns risos - Cale essa boca maldita e abra a porta logo!

Levanta-se atordoado com pensamentos de morte, anda até a entrada de corpo limpo e abre a porta com as órbitas voltadas para o chão:
- Olá, meu caro tormento!, o que trazes de tão belo para um leão com sede? - e o abraço foi forte, quase um desmaio.
- Vim dizer-lhe que esta é a nossa última conversa. Minha metamorfose, transitei muito nos últimos dias. O tráfego dos meus pensamentos não é mais o mesmo e meu anseio de lhe ser muito veloz me assombra todas as noites em que não durmo. - tamborila os dedos no trinco dourado daquela porta devorada por cupins - E agora quero que entendas que minhas filosofias não serão mais as mesmas, mas que ainda és meu grande amor e nosso matrimônio é eterno até o último corpo se render à terra.

Atônito com tal notícia que já vinha aguardando há dias, e que era um fator para a raiva, não sabia o que lhe dizer. Cuspiria naquele rosto sujo e sincero mas não podia derreter uma obra que a natureza esculpira com tanta devoção. Levantou as órbitas e as mãos:
-Esperava por tudo isso até na minha última lágrima. Mas isso quer dizer que não nos veremos nunca mais? E que estás aqui hoje só para comer de minha carne e sair com a boca suja de um pouco de sangue amável?
- Não e sim. Vim aqui para lhe dizer que o conteúdo que sobrou em nosso frasco é guardado por leões e baleias e que todo o resto do mundo saberá de tua existência. A febre que pulsa no teu sangue é culpa do mundo que está me levando para esse rumo inacreditável que é a revolução. - o peito estufa- E eu irei daqui a três horas. Façamos delas as mais belas horas do Universo!
- Não, meu bem, não! Meu sangue jorra dentro de meu peito. Meus pés estão tão pesados agora que não sou capaz de andar rumo ao teus lábios. Tua face me mostra uma divindade terrível que me assusta e me repele. Então saiba que meu amor agora é febre e que tudo que há em nosso frasco nada mais são que lembranças de uma bela época percorrida com pulos. Agora meu amor está chorando e o sonho ficará para a outra vida que não existe.
- Estou indo.
- Adeus.

Virou as costas e as pedrinhas denunciaram o criminoso abandonando a prisão que o manteve ali por dias. Eternos dias de desespero e medo pela partida.
Àquela alma nada mais restava do que gritos e arranhões. As paredes viraram telas e os violinos do rádio eram dragões cuspindo fogo nos cabelos prateados que reluziam dentro daquele quarto mestiço.
Agora o que sobra é um pouco de vinho jogado sobre o colo e um papel escrito com palavras de despedida.